Psicologia do Orgasmo

Psicologia do Orgasmo

Variáveis Inibitórias da Experiência Sexual

Para a esmagadora maioria das pessoas, o conceito de orgasmo é sinónimo de clímax sexual. De facto, não resta margem para dúvidas de que o orgasmo é unanimemente considerado o ponto máximo de uma relação de intimidade sexual. É, portanto, uma intensa experiência de prazer não apenas físico, mas também emocional e afetivo. Durante décadas, a investigação científica concentrou esforços, maioritariamente no aspeto fisiológico do orgasmo, descrevendo os seus mecanismos hormonais, neurológicos e anatómicos. Somente na viragem do milénio, surgiram as primeiras evidências científicas que iriam contrariar a ideia preconcebida do orgasmo como um fenómeno meramente físico. Afinal, a componente psicológica e emocional também influencia a forma como o orgasmo é experienciado.

Apesar do conhecimento atualmente disponível apontar para uma divergência entre géneros na forma como alguns elementos (como a ansiedade, o estado emocional ou conexão afetiva, apenas para mencionar alguns) desempenham um papel significativo durante uma relação sexual, é possível identificar vários fatores genéricos de natureza psicológica que podem interferir com a experiência de obter e desfrutar de um orgasmo. Entre eles:

Ansiedade de desempenho sexual:

É provavelmente o fator psicológico com impacto mais significativo na intensidade do prazer sexual e na satisfação sexual global. Basicamente refere-se a um estado mental em que a pessoa sente uma obrigação em cumprir um determinado padrão de desempenho sexual (dar prazer, atingir o orgasmo, manter a ereção…). Esta constante preocupação com o desempenho provoca a ativação do sistema nervoso simpático e, em vez de relaxar, o corpo permanece em estado de alerta.
Como resultado, a excitação sexual diminui, o foco nas sensações reduz-se e o orgasmo torna-se mais difícil ou até impossível. Quando o foco da mente é direcionado para a tarefa de “avaliar a performance”, a pessoa deixa de estar concentrada em desfrutar as sensação físicas do ato sexual.

Este tipo de ansiedade pode surgir em qualquer pessoa, mesmo em relações de confiança, sobretudo quando há expectativas elevadas, experiências passadas negativas ou crenças sobre aquilo que deveria acontecer numa relação sexual. Estratégias terapêuticas como a atenção plena (mindfulness), a comunicação aberta entre parceiros ou a desconstrução de mitos sobre o sexo têm-se revelado bastante promissores na redução da ansiedade de desempenho e na consequente melhoria da qualidade da experiência sexual.

Falta de concentração ou mind-wandering:

Durante o sexo, a atenção é um fator determinante para a experiência de prazer. E quando a mente se desliga do momento presente (um fenómeno denominado como mind-wandering), o corpo tende a seguir o mesmo caminho. Pensamentos sobre o desempenho, a aparência física ou até tarefas pendentes do quotidiano, interrompem a ligação entre mente e corpo, dificultando a excitação e, por consequência, o orgasmo. Este tipo de distração não é incomum e pode ocorrer mesmo quando existe desejo, surgindo frequentemente em contextos de ansiedade, stress ou insegurança.

Vários estudos demonstram que pessoas que mais experienciam mind-wandering durante o sexo apresentam uma menor resposta sexual e uma menor satisfação. Também aqui, a prática de mindfulness, tem-se mostrado eficaz para contrariar este padrão, promovendo uma maior presença e consciência corporal. Embora o mind-wandering possa ser uma consequência direta da ansiedade de desempenho, também pode surgir de forma autónoma, especialmente em estados de fadiga, desinteresse ou perturbações do humor. A reconexão com o momento presente é, por isso, uma das chaves para desbloquear o prazer.

Perceção negativa da própria imagem corporal:

A forma como uma pessoa perceciona o seu próprio corpo pode influenciar profundamente a experiência sexual e, em particular, a possibilidade de atingir o orgasmo. Quando essa perceção da imagem corporal é negativa, surgem sentimentos de vergonha, insegurança e desconforto durante a intimidade. Em vez do foco estar nas sensações, a mente da pessoa dispersa-se em observações que julgam depreciativamente o próprio corpo e aparência física. Esta auto-observação crítica, conhecida como self-objectification, é um dos principais fatores que interrompe a resposta sexual.

As evidências cientificas sugerem mesmo que a insatisfação com o corpo conduz à evitação de situações íntimas, à redução do prazer subjetivo e ao aumento da distração mental durante o sexo. Ou seja, a uma menor satisfação sexual. Segundo os estudos disponíveis, este fator psicológico parece ser mais pronunciado nas mulheres, embora se verifique igualmente em homens. Neste âmbito, trabalhar a relação com o corpo, através da aceitação corporal, da exposição gradual e da desconstrução de ideais estéticos irrealistas pode ter um impacto significativo na qualidade da vida sexual.

Crenças e educação sexual:

As crenças que uma pessoa pode ter enraizado sobre o sexo, muitas vezes moldadas pela educação sexual (ou pela ausência dela), têm um impacto profundo na experiência do orgasmo. Se desde cedo houver uma exposição a mensagens negativas, tabus ou mitos sobre o prazer e o corpo, é provável que isso crie bloqueios psicológicos que dificultam a entrega ao momento sexual. A título de exemplo, a ideia de que o sexo é algo “sujo” ou que o orgasmo é algo “difícil de alcançar” pode aumentar a ansiedade de desempenho e alimentar uma autocrítica excessiva. Sem uma educação sexual que esclareça o funcionamento do corpo e que normalize a diversidade das respostas sexuais, há uma maior vulnerabilidade a sentimentos de insegurança e de vergonha, o que reduz a concentração e a capacidade de sentir o prazer.

Neste sentido, uma educação sexual aberta, baseada em factos e que valorize a comunicação, pode ajudar a diluir crenças limitantes e promover uma atitude mais relaxada e curiosa. Isto é essencial para que o orgasmo não seja visto como um objetivo a atingir a todo custo, mas sim como uma experiência natural que pode variar, sem julgamentos.

Histórico de trauma sexual:

Episódios de abuso ou violência sexual têm frequentemente um impacto duradouro na forma como a sexualidade é vivida. Mesmo que tenham passado vários anos após estes incidentes, o corpo pode reter memórias implícitas do trauma, o que origina reações de medo, bloqueio ou dissociação durante o contacto íntimo. Deste modo, carícias, toques e o contacto físico tornam-se estímulos que são percebidos como risco e perigo e, consequentemente, o sistema nervoso ativa mecanismos de defesa que dificultam ou impedem o orgasmo.

Os resultados provenientes da investigação sugerem uma relação consistente entre trauma sexual e disfunção sexual (onde se incluiu a anorgasmia, a dificuldade persistente ou recorrente em atingir o orgasmo, apesar de uma estimulação sexual adequada e de desejo sexual presente). Em concreto, constatou-se que mulheres com histórico de abusos sexuais apresentam uma menor excitação genital e maior stress durante estímulos eróticos. Assim, para muitas pessoas vitimas de traumas e abusos sexuais, o sexo acaba por se tornar numa experiência ambígua onde o desejo é acompanhado por uma carga emocional intensa e desconfortável. Com o devido apoio especializado, nomeadamente em psicoterapia com uma abordagem sensível ao trauma, é plausível reconstruir a relação com o corpo, restaurar o sentimento de segurança e, gradualmente, recuperar o prazer.

Qualidade da relação e do vínculo emocional:

O orgasmo não é somente uma resposta fisiológica. É igualmente uma experiência relacional. A forma como uma pessoa se sente em relação ao seu parceiro, e à própria relação em si, influencia profundamente a entrega, a confiança e a intensidade do prazer sexual. Por norma, relações predominantemente marcadas por conflitos, falta de comunicação ou distância emocional tendem a criar um ambiente interno de tensão e desconexão, que pode interferir com o processo de excitação e dificultar o orgasmo.

Também neste parâmetro se verifica uma relação positiva entre a proximidade emocional entre parceiros e os níveis relatados de satisfação sexual e a frequência de orgasmo. Inclusivamente, a investigadora canadiana Rosemary Basson desenvolveu um modelo que propõe que, sobretudo no caso das mulheres, o desejo sexual não surge necessariamente de forma espontânea, mas desenvolve-se no contexto de intimidade emocional, o que torna o orgasmo uma consequência possível, e não obrigatória, da conexão relacional. De salientar que a ausência desta conexão pode estar na origem de bloqueios emocionais e físicos, mesmo que exista desejo.

A sexualidade humana é profundamente relacional. Por isso, investir na qualidade da relação, através do diálogo aberto, do toque não sexual, da empatia e da construção de confiança, pode ser tão importante como qualquer técnica específica no domínio sexual.

Depressão e saúde mental:

O estado da saúde mental tem uma importância profunda na vida sexual e, em particular, a depressão é um dos fatores mais frequentemente associados à diminuição do prazer sexual e à dificuldade em atingir o orgasmo. Pessoas diagnosticadas com depressão tendem a experienciar sintomas como apatia, fadiga, baixa autoestima e perda de interesse por atividades anteriormente prazerosas, incluindo o sexo. Esta combinação de fatores afeta a resposta sexual em todas as suas fases, desde o desejo até ao clímax. Para além disso, há um efeito adicional frequentemente negligenciado: a prescrição de antidepressivos, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), têm como efeito colateral a diminuição da
excitação sexual e atraso ou inibição do orgasmo. Este efeito é tão comum que alguns estudos publicados indicam que até 60% das pessoas em tratamento com ISRS relatam alterações na função sexual. Ainda assim, é importante sublinhar que existem alternativas farmacológicas com menor impacto sexual, bem como estratégias complementares (como psicoterapia ou ajustes na medicação) que podem mitigar estes efeitos.

Investir no tratamento da saúde mental não é apenas uma prioridade clínica. É também uma forma de recuperar ou preservar a vitalidade sexual. Numa perspetiva integrada, o prazer sexual e o orgasmo são vistos como indicadores de bem-estar psicológico, e não como fenómenos separados da mente.

Em suma:

A compreensão do modo como a mente influencia o corpo no contexto sexual é um requisito imprescindível para desenvolver estratégias mais eficazes para melhorar a satisfação sexual, promover relações mais saudáveis e combater crenças limitadoras que muitas vezes bloqueiam o acesso ao prazer. Neste enquadramento, a terapia sexual surge como uma ferramenta clínica fundamental, capaz de identificar e trabalhar fatores como a ansiedade de desempenho, o mind-wandering, a autoimagem negativa, traumas passados ou bloqueios emocionais na relação. Com uma abordagem holística e baseada na evidência, a intervenção psicoterapêutica permite restaurar a conexão entre corpo e mente, desconstruir mitos sexuais prejudiciais e promover uma vivência do orgasmo mais livre, consciente e satisfatória. Longe de ser um fenómeno exclusivamente fisiológico, o orgasmo revela-se, assim, como uma expressão complexa da saúde emocional e relacional. E, como tal, um território onde o apoio psicológico pode fazer toda a diferença.

Caso se identifique, de alguma forma, com este texto e acredite precisar de apoio psicoterapêutico sexual, marque a sua consulta aqui.

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