A não-monogamia

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A não-monogamia

Temos tendência para achar que algo não está muito certo quando uma coisa se define apenas por oposição a outra coisa. No caso das não-monogamias, o debate tem assumido cada vez mais um teor político, contra a ideia de monogamia como sistema social imposto por entidades diversas e que nada tem a ver com a “natureza humana”.

Ora, a natureza humana tem a ver com tudo e mais alguma coisa. Se há algo que não é certo e previsível é exatamente a natureza humana. Na verdade, o ser humano pode existir sozinho segundo a sua natureza mais primária e sobreviver apenas baseado nela, mas o que poucas vezes conseguiu fazer ao longo da história da humanidade, foi co-existir com outros seres humanos seguindo apenas seguindo os seus próprios instintos e impulsos.

Exatamente devido à sua volatilidade, a natureza humana sempre travou batalhas consigo mesma, na busca de um equilíbrio entre as suas emoções e o seu intelecto, as suas características inatas e o conhecimento adquirido, as suas vontades fundamentais e as suas responsabilidades, os seus direitos e os seus deveres, a ideia de individualidade e de comunidade, a necessidade de liberdade mas também de regras, a vergonha das causas e o medo das consequências, o conservadorismo saudosista e o liberalismo anárquico, o ying e o yang, a escuridão e a luz, e todas as outras dualidades, muitas vezes paradoxais, com as quais tivemos de conviver desde o princípio dos tempos.

Curiosamente, apesar destas questões parecerem meramente dúvidas morais, os seres humanos não são os únicos a ter de lidar com este tipo de dilemas. A única diferença é que os humanos criaram a filosofia, a política, a ciência e a religião, e os restantes animais sempre usaram métodos muito mais pragmáticos, muitas vezes violentos e cruéis, para resolver as suas disputas internas e externas.

Complexificando as coisas, o questionamento “moral” que o ser humano sempre fez da realidade e do seu papel nela, levou à criação de inúmeras estratégias de organização familiar e, por consequência, social, que deram origem às mais diferentes visões do que devem ser as relações pessoais e afetivas nas mais diversas épocas e nos mais diferentes lugares do planeta.

Tudo isso dando origem a diferentes estruturas familiares, seja em pequenas sociedades comunitárias, seja em grandes sociedades imperiais. Ou seja, as não-monogamias não são uma invenção dos tempos modernos, são apenas um re-questionamento das nossas ambições pessoais mais primárias.

Um questionamento que advém das possibilidades tecnológicas que hoje permitem manter relações próximas à distância, permitem um contacto direto e imediato com pessoas que nem sempre estão presentes no nosso quotidiano e que, sobretudo, facilitam a multiplicidade de conexões que permitem maior desapego de um indivíduo a outro individuo exclusivamente. Essa nova realidade, propiciou então a ideia de que, na verdade, a não-monogamia não é capacidade de vivermos com várias pessoas, mas sim a capacidade de vivermos sozinhos e independentes, exatamente porque podemos ter contacto com várias pessoas a qualquer momento.

As impossibilidades de gestão de tempo e distância de outrora estão hoje a ser colmatadas por esta conectividade global e constante. Mas a dúvida que surge no debate público, e que surge muitas vezes nas consultas privadas de aconselhamento sexual e erótico, é uma dúvida que é por vezes demasiado pesada para ser enfrentada sozinha: a luta pela liberdade é uma aventura entusiasmante, sem dúvida, mas quando se conquista a liberdade muito poucas vezes se sabe o que fazer com ela.

O vazio que se gera quando nada nos pertence e não pertencemos a nada, é o oposto da ideia de conectividade que nos motiva a querer tudo. Por isso é que, nos dias de hoje, talvez a definição de “não-monogamia” seja a melhor forma de descrever algo que, mais do que ser, ainda não o é. No entanto, o grande valor desta definição não é sua resolução, é exatamente o autoquestionamento que nos obriga a fazer sobre outro dos grandes dilemas da humanidade: ter o que queremos ou o que precisamos.

Rui Simas

www.simas-eros.com

 

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