Do orgasmo como uma das belas-artes

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Do orgasmo como uma das belas-artes

Thomas De Quincey escreveu, um dia, um livro com um título parecido a este. Lembrei-me porque esse livro fala de morte e o orgasmo, que algures nos finais do século XIX foi apelidado de “petite mort”, desde cedo teve essa ligação com a transcendência física, a transformação da consciência, o passar para um plano além do concreto e do real. A explosão energética resultante de um prazer orgásmico, deu origem às mais diversas teorias e mitos ao longo dos tempos, alimentando todo o tipo de histórias, crenças e ideais, mas sobretudo (r)evoluções religiosas, científicas e políticas.

A noção de orgasmo como bem maior, levou à mais descontrolada libertinagem e ao mais brutal conservadorismo, quase sempre com a mesma justificação: não se sabe bem o que é, mas sabe-se que é demasiado bom.Antes da possibilidade científica de qualificar e quantificar a resposta sexual, os mitos sobre o orgasmo passaram por possessões divinas ou diabólicas, por energias cósmicas transuniversais, por bruxaria e espiritismo, por crises epilépticas ou histéricas e outras condições mais ou menos saudáveis ou até desejáveis.

Essas crenças marcaram e condicionaram os comportamentos de homens e mulheres, mas sobretudo das mulheres, que guardavam em si o maior dos mistérios. Desde o princípio dos tempos, com base na simples lógica agrícola, toda a gente compreendia que as sementes lançadas ao chão fecundavam a terra fértil, mas ninguém compreendia de que forma a terra conseguia transformar as sementes em plantas e frutos.Nas primeiras mitologias, o ato de criação de vida no mundo e no universo provinha amiúde de ejaculações orgásmicas de entidades divinais, que fecundavam com o seu sémen (semente) o cosmos ou a Terra (mulher) mãe. Tudo o resto era um mistério.

Desse mistério surgiram diversas formas de lidar com o orgasmo, umas mais holísticas e universais que outras (por exemplo, em diversas civilizações antigas do médio oriente, antes da colonização, a compreensão e o conhecimento do prazer sexual abrangia homens e mulheres de igual forma), mas que foram sendo, ao longo do tempo, sobretudo influenciadas por impérios de religiões monoteístas, regidas por definições cada vez mais castradoras do sexo e do orgasmo. Com a evolução científica, esse conhecimento deixou de se basear em suposições e mitos e passou a basear-se em análises concretas.

No entanto, segundo Foucault, essa procura incessante por uma reposta concreta aos mistérios da vida, retirou uma componente vital ao prazer sexual a ao orgasmo: a espiritualidade. Da mesma forma que as religiões monoteístas eram limitadas e até opressivas perante a diversidade, também a ciência era regida por técnicos conservadores, pouco dados a atribuir relevância a variantes minoritárias. Normalizou-se muita coisa mas ostracizou-se ainda mais o que saía da norma. O orgasmo passou a ter conta, peso e medida.Passou a ser um objetivo definido, uma regra, uma lei.

Passou a ser uma bandeira e uma arma, um requisito e um requerimento, um ponto numa lista de coisas a fazer e, quando riscada, um prémio, uma meta, um troféu. Ter um orgasmo passou a ser sinónimo de final feliz e de independência sexual, retirando-o novamente do prazer comum e colocando-o no prazer individual. A orgasmo deixou de ser arte para se tornar ciência e acabou por se tornar político.

No livro “A História Íntima do Orgasmo”, o historiador Jonathan Margolis demonstra como estes ciclos de aceitação e opressão do orgasmo se repetem mais do que se imagina. As estruturas civilizacionais já tiveram todo o tipo de regras para gerir as suas sociedades naquilo que mais as afeta: a natalidade e a mortalidade. Numa família, comunidade, aldeia, vila, cidade, país, região, império, etc, a base de sustentação sempre se colocou na forma como as pessoas interagiam sexualmente e que, até há menos de um século, antes do aparecimento da pílula contraceptiva, tinha impacto direto no rácio entre nascimentos e mortes, essas sim, quantificáveis.

Mas enquanto o sexo existe na quantidade, o orgasmo só existe na qualidade. E como nas artes, nenhum orgasmo precisa de ser igual, obrigatório ou executado segundo diagramas. O orgasmo é um ato sublime porque é uma sublimação do corpo e da mente, é uma entrega, uma perdição, um ato de coragem e fé. Um ato que pode e deve ser experimentado individualmente, para autoconhecimento e descoberta íntima, mas que ganha toda uma outra dimensão quando acontece em comunhão com alguém, por uma simples razão: é no encontro com os outros que mais podemos falhar.

Rui Simas

Erotic coach

www.simas-eros.com

 

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