Porquê o Erotismo?
Na verdade não existe uma necessidade para o erotismo. Apesar de nos glorificarmos como a única espécie animal com consciência erótica (o que não é de todo verdade, mas já lá chegaremos), a utilidade do erotismo não é fundamental para a nossa sobrevivência. E não o é porque, segundo as leis da biologia humana, as ereções podem ser meramente resultantes de uma oxigenação genital e a gravidez uma mera consequência de uma ejaculação ou pré-ejaculação não controlada. Ou seja, a vida na terra e a nossa sobrevivência não dependem minimamente do erotismo, apenas do sexo.
No entanto, em todo o caso, para a nossa sobrevivência também não dependemos da felicidade, do prazer, da racionalidade, da vida em comunidade, da criação de laços afetivos, da capacidade criativa, da imaginação, da curiosidade, da procura de novas soluções, da vivência de novas experiências, da fantasia, da empatia, da benevolência ou da conexão emocional com o mundo que nos rodeia. A nossa existência pode muito existir sem tudo isto. Mas a nossa subsistência não. Sem nenhum destes componentes, teríamos existido mas nunca teríamos evoluído.
A necessidade do sexo para procriação é tão básica como da água para hidratação e da comida para alimentação. Sem nenhum contexto psicológico ou social, essas são as três necessidades básicas de qualquer animal, seja humano ou não.
Mas, mesmo apesar da vida na terra ter sido meramente baseada na satisfação dessas três necessidades durante muitos anos, algo disruptivo deu lugar a uma paleta maior de vontades, desejos e descobertas na crescente expansão da vida no planeta. A beleza da vida não foi criada pelo ser humano, foi criada pelo caos da natureza. A beleza, o prazer e a sua utilidade para o desenvolvimento do mundo é muito anterior às noções de beleza da moda ou da arte.
A interação entre mundo animal e vegetal, por exemplo, provém dessa noção de atração por cores, formas, cheiros, sabores e sons. Mesmo entre os animais, as danças de acasalamento, a exibição exuberante das peles, penas, chifres, bicos, patas, os movimentos e a resistência dos corpos, a persistência, a resiliência, a luta, a bravura, a astúcia, o instinto. Tudo isso foi criado pela natureza para que a sobrevivência não fosse apenas uma mera casualidade, um mero encontro sexual provocado pela época do cio e pelo passar das estações. Mesmo com um ato tão básico como o encontro sexual, evolui com as espécies, tornou-se complexo antes sequer de se tornar humano.
Mas com o intelecto, veio a complexidade, com tudo o que tem de mau e de bom. O erotismo ganhou asas imaginárias e recriou-se das mais variadas formas, nomeadamente através da expressão humana a que resolvemos chamar arte. Pois essa era a expressão mais íntima e a menos condicionada por outra das invenções humanas, a antítese do erotismo: a moral religiosa.
No entanto, é exatamente no antagonismo entre erotismo e religião que reside o maior mistério da sexualidade humana, pois estas duas ideologias alimentam-se mutuamente na criação das mais profundas e mais extremas fantasias. A transgressão, sobretudo moral, é (e sempre foi) um fetiche.
Os humanos criaram regras para as poderem quebrar, da mesma forma que se regem por lei para que alguém os possa castigar. Nunca nada impediu ninguém de seguir a sua própria natureza, apenas obrigou a fazê-lo em segredo ou em revolta. Por estas razões, o erotismo é mais do que uma mera construção social e está longe de ser uma expressão meramente racional ou humana. O erotismo é o suplemento da existência na sua biodiversidade. O erotismo é onde as possibilidades vivem e onde projetamos todos os nossos desejos, ideias e fantasias, nessa busca incessante por outra quimera ainda mais complexa chamada felicidade.