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Exposto | Conto Erótico

Todos achavam que ele era um artista. Mas ele não acreditava muito nisso. O que ele fazia não era bem arte, era tecnicamente uma terapia. Ele era artista porque não conseguia fazer mais nada. Depois de ter perdido tudo o que tinha na vida, incluindo a família, a sua depressão despertou um transtorno obsessivo compulsivo que o afastou de todos os outros seres humanos e o tornou recluso da sua pequena casa, perdida numa aldeia velha e recôndita.

A única pessoa que tinha acreditado na sua arte era a dona de uma prestigiada galeria na grande cidade, matriarca de uma das famílias mais nobres da região onde a sua aldeia se situava, que um dia confundiu a casa dele com uma oficina de automóveis e se deparou com as suas obras espalhadas pelo seu quintal.

Uma quantidade de objetos mecânicos estranhos, alguns deles de grande envergadura, onde esculturas feitas de materiais naturais e industriais se encaixavam e desencaixavam, como se de uma grande orgia se tratasse. Fascinada por aquele contexto surreal, a mulher ofereceu-se para expor as suas peças numa galeria. Ele só teria de aceitar o convite para estar presente na inauguração. Ela trataria de tudo o resto. Ele aceitou e depressa chegou o dia em que se deslocou até à cidade para o grande evento.

Apesar de lhe terem dado toda a informação, não sabia bem o que esperar. Que tipo de pessoas iriam querer ver o resultado da sua obsessão com a sexualidade de tudo o que o rodeava? Quem poderia achar interessante ou belo algo que, para ele, era uma representação dos seus maiores medos e tabus? Quando finalmente chegou à galeria, viu uma multidão à porta, com pessoas extremamente bem vestidas.

No cartaz, ao lado da entrada, destacava-se uma das suas peças, um tronco de árvore com uma vulva esculpida em mármore de onde surgia um pássaro de asas abertas, com o seu nome por baixo e o tema da exposição: “A grande fornicação”. O título fê-lo corar, mas depressa se recompôs quando ouviu a voz da sua curadora. De braços e sorriso aberto, cumprimentou-o e depressa apontou a quantidade de pessoas que tinham demonstrado interesse em vir.

Ele sorriu, nervoso. Ela levou-o para dentro e, pela primeira vez, ele viu anos de terapia solitária e isolada do mundo expostos, organizados, iluminados e identificados como verdadeiras obras de arte. Ao ver tudo aquilo, o seu nervosismo levou-o a pensar no facto daquelas obras estarem, naquele preciso momento, com os seus movimentos pendulares, a fornicar com a sala e o edifício onde estavam inseridas.

Que todos aqueles objetos tinha sido meticulosamente colocados e posicionados de forma a melhor estimularem o próprio espaço, quem os iria observar, quem os iria tocar ou, pior, quem os desejasse tocar e não o fizesse por pudor ou vergonha. A sua imaginação estava a mil. Ele não sabia como explicar estas coisas a si mesmo, quanto mais a um grupo de estranhos que procurasse alguma razão lógica para tudo aquilo.

Aos poucos, o barulho dos seus pensamentos foi-se misturando com o barulho das vozes de quem começava a entrar. A sala encheu-se rapidamente de muitos suspiros, murmúrios e pequenos risos envergonhados. O som ia aumentando à medida que o espaço entre as pessoas ia diminuindo. A tensão entre a compostura e a curiosidade, aumentava o consumo do champagne e libertava muitos ombros dos seus casacos pesados.

Os olhos da multidão, ou estavam presos aos movimentos hipnóticos das peças expostas, ou se desviavam para decotes e cinturas a ansiar por outros movimentos. As mãos, quando não estavam agarradas a copos frios, agarravam-se e deslizavam por corpos cada vez mais quentes. Era o momento dele falar. Sem apresentações. “Sentem?…”, gritou para a multidão.

Os murmúrios transformaram-se num silêncio total. “Sentem o pulsar do universo à vossa volta?… Sentem a oscilação, que vai e vem, do mar que ondula lá fora e em nós, do vento que sopra lá fora e em nós, do cosmos que expande lá fora e em nós?… Sentem as vibrações? No sons, nas cores, nas coisas, nos átomos, em tudo o que nos rodeia, na forma como entendemos o que nos rodeia?… Olhem esses objetos e imaginem que são parte de vós.

Imaginem que todos nascemos das mesmas células que se querem materializar, existir, evoluir, reproduzir, eternizar. Imaginem que o seu movimento se perpetua no vosso movimento, por fora e por dentro, no vosso corpo e na vossa alma, na realidade finita e na criação infinita. Imaginem que estamos todos dentro de alguma coisa e ao mesmo tempo fora dela. Imaginem que o sexo é isso. Um paradoxo. Dentro e fora. Tudo e nada.

Internamente e eternamente. Sentem?…” Silêncio. Um copo caiu ao chão e estilhaçou-se em mil pedaços. A curadora, que estava ao seu lado, lançou-se ao seu pescoço e começou a beijá-lo apaixonadamente à frente de todos. Enquanto o beijava, despia-se com tanto fulgor que rasgava as próprias roupas. Subitamente a sala encheu-se de gemidos de prazer cada vez mais fortes. A multidão fundiu-se numa verdadeira orgia. Pessoas e objetos eram agarrados, lambidos, inseridos e penetrados da mesma forma. Ele estava extasiado. Aquele cenário dantesco tinha sido causado pelas suas obras e pelas suas palavras.

Era aquele o mundo com que ele convivia diariamente, apenas na sua cabeça, isolado numa aldeia longe de tudo e de todos. Era aquilo que ele sentia e que só podia expressar através das suas criações. Era aquilo que ele sentia como transtorno e agora sentia como prazer. Sentiu-se a vir na boca de alguém que abraçou as suas pernas. O seu corpo colapsou e deixou-se cair. A sua curadora, a única pessoa que tinha acreditado em si, agarrou-lhe a cara, olho-o nos olhos e, com a boca ainda molhada, disse: “Vês, todos acham que tu és um artista.”

 

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