Erotismo em tempos de paternidade
A chegada de filhos à vida de um casal é muitas vezes vista como uma mudança demasiado impositiva e impeditiva da intimidade e do erotismo. No entanto, esse peso só se gera se associarmos exclusivamente o erotismo ao sexo. Fisiologicamente, é certo que a mulher tem de lidar com alterações hormonais e físicas que o homem não tem.
Nesse sentido, sim, há que ter alguma atenção e compreensão pelo processo de adaptação ao parto e posterior recuperação física. Mas o erotismo não tem só a ver com sexo e, por isso, não depende apenas da componente física. O erotismo é sobretudo um processo mental, criativo, exploratório. É uma escolha, uma decisão.
Se a chegada de um filho se sobrepuser ao bem estar da relação, mais rapidamente a relação pode terminar do que o filho sair de casa. Ao escolhermos ter uma vida em comum com alguém, ao ponto de querermos ter um filho com essa pessoa, não nos podemos esquecer que essa é a ordem das coisas.
Primeiro a relação, depois o filho. Primeiro a base, depois a novo elemento. Primeiro a vontade, depois a criação. Ao trabalhar com casais nas minhas consultas, e sendo eu próprio pai, vejo repetidamente esta ânsia em dar toda a atenção, amor, carinho e energia a uma nova pessoa e esquecer a pessoa que a trouxe ao mundo conosco.
A estimulação do desejo erótico é tão ou mais importante nesta altura como foi antes da criança nascer. Manter acesa a chama da paixão, da vontade e do desejo não deve ser apenas mais uma tarefa a acrescentar à lista de afazeres paternais, mas deve estar intrinsecamente enraizada no dia a dia antes, durante e depois da gravidez. Mesmo sem sexo penetrativo, pode-se estimular os sentidos, a imaginação, a proximidade e contribuir para que ninguém fique sobrecarregado ou estafado com todas as responsabilidades e deveres.
Mas da mesma forma que devemos procurar dar, também temos de estar receptivos a receber. Não devemos apenas respeitar o cansaço e a falta de vontade, mas devemos também respeitar quando essa vontade se manifesta. Mesmo que não nos apeteça, devemos sempre apreciar a atitude que nos valoriza eroticamente e explicar porque não a queremos, em vez de apenas negarmos sem justificação.
Nestas alturas de maior instabilidade emocional, a conexão erótica está nos detalhes. Uma negação sem consideração pelos sentimentos do outro, num tempo já cheio de outras prioridades afetivas, pode causar uma sensação de insignificância difícil de gerir. Um “não” sexual deve ser dito com a mesma consideração, respeito e carinho que um “sim”.
Só assim é possível manter o entusiasmo erótico para próximas oportunidades. A criança só precisa de se sentir amada e segura. E caso seja possível, é importante também, desde muito cedo, que ela se sinta confortável em diferentes espaços e com diferentes pessoas (familiares, amigos, babysiiters), para que haja cada vez mais oportunidades para os pais terem os seus momentos íntimos.
Rui Simas
Erotic coach
www.simas-eros.com