Mau sexo pode ser muita coisa. Desde ser um ato egoísta em que só um dos intervenientes tem prazer, à falta de conhecimento dos pontos mais erógenos e capacidade para os estimular corretamente, passando pela falta de vontade e entrega, demasiadas exigências, pouca paciência e comunicação, ou porque nem a química nem a física corresponderam às expectativas.
O mau sexo pode acontecer num dia em que estamos mais cansados, nervosos, stressados ou com outras coisas em mente, mas também pode acontecer porque estamos sobrecarregados com culpa, falta de autoestima, pressão para agradar ou, pelo contrário, porque achamos que não temos de agradar ninguém e é tudo uma chatice depravada que só dá é trabalho. O mau sexo pode acontecer por não sabermos algo ou, pior, porque não queremos ou deixámos de querer saber. E é nesse momento que o mau sexo transforma o sexo numa coisa má.
O prazer sexual é ainda muitas vezes comparados com vícios, drogas, desvios, depravações porque, segundo a moral regente, o valor da vida está no sofrimento e não no prazer. O prazer é algo fútil, fugaz, que desvia a humanidade do trabalho, do dever, do medo. O prazer não pensa em contas, dívidas ou políticas. O prazer só é válido se for para as massas, não para uso privado.
O prazer deve ser puro entretenimento. O jogo, o álcool, o tabaco. Os prazeres que pagam impostos, que contribuem para o estado e que toldam o raciocínio e a atenção. O sexo não. Não queremos cá pessoas satisfeitas, felizes, relaxadas. Demasiadas doenças, gravidezes indesejadas, violações, abusos, maus tratos. O sexo é violência. É mau. Mas ao contrário dos outros vícios, tem de ser feito para podermos dar continuação à espécie. Então que se faça, mas contrariados. Uma queca, uma criança. Prazer, jamais. Porque se for bom, vamos querer mais e depois quem é tem tempo para ver notícias e anúncios?
Sexo é mau. Por isso é que a pornografia é má. A prostituição é má. O mamilo a descoberto nas redes sociais é mau. Guerra, sim. Desastres, sim. Pancadaria, tiroteios, sim. Competição entre países, raças, credos e, sobretudo, entre sexos, obviamente que sim. Quanto mais competirmos, melhor. Não há tempo nem paciência para dar ou ouvir explicações. Discutir muito, sim. Mudar de opinião, não.
Parecendo que não, o mau sexo é um reflexo de tudo isto. O ato sexual está implícito na natureza. A atração e a interação entre corpos é o que produz vida. Fazê-lo melhor ou pior não depende se temos corpos assim ou assado, se sabemos esta técnica ou aquela, se somos ricos ou pobres, só depende de uma coisa: disponibilidade. Para sentir, para querer, para aprender, para conhecer, para descobrir e explorar mas, sobretudo, para errar e querer melhorar. A disponibilidade é a vontade de ver as coisas pelo lado positivo.
É querermos algo de tal forma que assumimos que pode não ser perfeito mas estamos dispostos a desfrutar completamente e a melhorar o que for preciso. A questão é que essa disponibilidade não surge só porque sim. Ao longo da vida, muitos acontecimentos podem condicionar a nossa disponibilidade. Experiências traumáticas, desgostos, maus exemplos, humilhações.
Muitas vezes, as memórias deste tipo de acontecimentos controlam a nossa consciência e impedem-nos de estar disponíveis da forma que gostaríamos, rendidos, entregues e sem inibições. Mas exatamente porque não conseguimos controlar a nossa vida real, e porque contrapor os nossos medos à verdade crua do sexo concreto pode parecer demasiado arriscado, o ser humano inventou o erotismo. O erotismo é o meio-termo entre o real e o imaginário, entre a verdade e a consequência, entre a própria vida e a morte. O erotismo permite a manifestação de todo nosso potencial sexual, a criação de todas as possibilidades e ideias.
O erotismo é uma forma de recriar a nossa história íntima e enfrentar os nossos medos, os nossos desejos e as nossas fantasias, controlando os seus resultados. O erotismo é um purgatório sem céu nem inferno. E é nessa purga que nos podemos libertar dos pesos, da culpa, dos erros do passado e dos medos do futuro. É no erotismo que expomos a nossa verdade e descobrimos a nossa vontade de viver o prazer sexual com disponibilidade total.
É no erotismo que podemos ser os criadores e os artistas que demonstram capacidade para superar os seus erros e adversidades. E nessa criação, incluir quem amamos, quem desejamos, quem queremos atrair e partilhar todo o nosso prazer. É no erotismo que idealizamos as histórias onde o sexo não é apenas um ato, é um estado mental, que pode ir do romance mais lamechas ao porno mais obsceno. Onde o sexo deixa de ser mau e passa simplesmente a ser natural, com toda a sua complexidade e potencial.
Rui Simas
Erotic coach